domingo, 2 de agosto de 2009

Minha rica miséria


Minha rica miséria






Um dia destes a minha mulher, sabendo que eu gosto de ler sobre Setúbal, ofereceu-me um livro que conta na primeira pessoa, histórias vividas no orfanato de Setúbal nos anos 60, para onde por vários motivos algumas crianças iam lá parar.
Uns por serem órfãos, outros por pertencerem a famílias com problemas graves, etc.
Toda a história gira à volta do mesmo, a miséria que se vivia na época e a fome inerente.
É comovente ver a união entre aquelas crianças, que por viverem todos a mesma necessidade, que era a de matar a fome, tratarem-se por irmãos e mais importante, agirem como tal.
Sei que muitos deles ainda hoje se encontram regularmente na tasca do meu amigo Jaime Falca para almoçarem juntos, que grande lição.
Hoje, nós, com o nível de vida que temos, estamos a criar pessoas que para conseguirem os seus objectivos se valem de quase tudo.
Vende-se a dignidade.
Manda-se os sentimentos para o lixo.
E trata-se o vizinho como se fosse um vaso de plantas, da entrada do prédio.
Trai - se um colega com a maior das facilidades e até com alguma glória de vencedor.
É preocupante tanto para quem pisa como para quem é pisado.
Já não se pede uma pitada de Sal à vizinha ou um pé de salsa, o que é preciso é que ela não saiba que , também sou como ela e que ás vezes também preciso de ajuda.
Hoje quando saio para o trabalho e tenho que deixar o nosso filho em casa uma manhã inteira de roda da televisão e do computador até ter aulas de tarde,
dou por mim a pensar:
- Que sorte a minha, que na idade dele saía de casa, corria, cheirava a terra na brincadeira com os meus amigos.
Quando tínhamos sede, entrávamos pela casa da vizinha para beber água.
Naquele tempo na estrada da Algodeia em Setúbal onde nasci, todas as portas estavam abertas, todos entravam sem alguma vez pensar:
-Este é o vizinho que o meu pai disse no outro dia, que não é de confiança.
Lembro-me que a minha casa, sem que fossemos ricos , foi das primeiras a ter televisão ali no bairro.
A sala de minha casa parecia uma sala de cinema, onde quem queria entrava.
Belas tardes de Tourada se viveram em frente da televisão.
Ainda me " cheira " ao ambiente que se vivia.
Assim que uma criança tirava os olhos do programa os mais velhos cruzavam o olhar como que a dizer:
-O miúdo quer qualquer coisa.
E nós, adormecíamos tranquilamente, como um filhote de leão, depois de encher a barriga.
A facilidade com que hoje se trai um colega e pior ainda o prazer que alguns tiram disso, arrepia-me.
Esta sociedade dos novos-ricos de quem vai passar férias ao México, janta nas docas e vai ao pavilhão Atlântico ver o artista do top internacional é que tem valor, é de uma enorme pobreza.
Preocupa-me o futuro desta geração.
No meio de tanta fartura, que pobreza tão grande.

1 comentário:

  1. Olá Amigo.
    A desculpa: competitividade!
    Serve para justificar tudo!
    A chicoespertice impera! Amigos? Opositores, isso sim! Apunhala-se, como quem vai de caminho, e ainda se exibe a cabeça cortada como troféu.
    O senso comum, melhor a miséria de espirito comum
    empola o feito do vencedor, comentando entre si. Aquele cajo é esperto...
    A miséria grassa. À medida que o endividamento, não o poder de compra aumenta, os comuns dos mortais, aqueles que insistem em não pensar, os carneirinhos, vão ficando cada vez mais miseraveis, deesconhecendo em absoluto o significado de dignidade. Rastejarão que nem vermes, aos pés de quem agora veneram!

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